terça-feira, 29 de maio de 2012

Revisitando Gonçalves Crespo

António Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 11 de Março de 1846 — Lisboa, 11 de Junho de 1883).
Numa manhã amena de 1860, um menino de quatorze anos abandonava sua terra natal, o Brasil, em busca de tratamento que fosse capaz de liquidar sua resistente fraqueza. Num vapor, dirigir-se-ia a Portugal. Seu pai, rico comerciante português naturalizado brasileiro, alinhavara o destino do jovem brasileiro que, em terras longínquas, fez-se homem respeitável, advogado, constituiu família (casou-se com a intelectual portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho), deputado e, além disso, forjou significativos textos poéticos filiados à estética Parnasiana, da qual foi um dos responsáveis pela adoção, transposição e adequação à Literatura Lusa.
Seus poemas, encontrados todos nas obras Miniaturas (1870) e Nocturnos (1882), influíram notavelmente no Brasil, precursores da nova escola. Era perito na elaboração de “quadros” poéticos (“Cromos”), nos quais, ao invés de falar insistentemente de si mesmo e de particulares sentimentos (em arroubos sentimentais próprios de cantores de música sertaneja ou bandas “emo”), o eu-lírico descreve com certa objetividade cenas do cotidiano (prática própria da impessoalidade parnasiana). Dono de verso seguro, o desterrado António Cândido Gonçalves Crespo nos deixou textos onde palpitam brasilidade, tais como a Sesta, Na roça, a Canção, Ao meio dia e Velhas Negras (elemento dispensado pelo parnasianismo empolado, confeiteiro e estrábico de um Olavo Bilac).
Comumente, em Histórias da Literatura Portuguesa, encontramos Gonçalves Crespo na seção: escritores brasileiros. Estranhamente, são poucos os autores nacionais que o admitem como poeta parnasiano brasileiro e em muitos canhestros livros didáticos não há sequer uma menção ao bardo.
Aos trinta e sete anos, em 1883, morria Crespo (fora acometido pela tuberculose). Em 1896, a já ignóbil e fanfarrona Academia Brasileira de Letras impedia que Silva Ramos adotasse Gonçalves Crespo como patrono de sua cadeira. Talvez, o impedimento tenha sido impulsionado pelo mesmo motivo que levara a preconceituosa crítica formadora de opinião a sonegar um escritor tão importante: Gonçalves Crespo era negro e tinha muito orgulho de sua descendência. Numa carta, nunca respondida, destinada a Machado de Assis (dizem que o escritor realista ficou mortificado com o que leu), dizia: “(...) e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era... de cor como eu. Será?”.
           
MIRANDA, Rafael Puertas de. Revisitando Gonçalves Crespo. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 28 de Agosto de 2011 e republicado em 13 de Novembro de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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